18 de setembro de 2012

O MENSALÃO, A EDUCAÇÃO, A FORMAÇÃO DO HOMEM E A FORMAÇÃO DA SOCIEDADE


FORMAÇÃO DO HOMEM
A questão da qualidade da nossa sociedade e sua capacidade de construir o futuro que queremos, está cada vez mais merecendo atenção e preocupação de muitos. Existem aqueles que acham que tudo vai dar certo e aqueles que são mais conservadores e mostram preocupações por várias razões. Diante desta divergência cabe a pergunta: Estamos construindo as bases para o futuro que queremos? Que futuro queremos ? Que bases são estas?
Na Grécia antiga, a educação era o centro das preocupações da sociedade. O tema “Paidéia” (Werner Jaeger), conjunto de conceitos ligados à civilização, cultura, tradição, literatura e educação,buscou a formação de um elevado tipo de Homem. O Homem Virtuoso. Segundo Heródoto, a idéia da educação representava todo o sentido do esforço humano.
Para os Gregos, a educação não era um esforço individual. A tarefa da Educação pertencia por essência à comunidade, era dever de todos. Cabe aqui uma frase da tradição chinesa - É preciso toda uma aldeia para educar uma criança. Da educação deve resultar a consciência viva que rege e direciona os caminhos da sociedade virtuosa.
A sociedade virtuosa é aquela que gera os verdadeiros homens, o ser completo. O caminho da perfeição era e é o caminho da educação. O caminho da perfeição era o da vida de qualidade em sociedade, vida em comunidade, em família, nestes tempos atuais, vida em equipe. Vida virtuosa.
O relato histórico nos conta que os Espartanos foram grandes guerreiros. Sutileza: a unidade mínima do exercito espartano não era um soldado. Era uma dupla de soldados. Ataque e defesa. Equipe.
Da virtude vem o espírito que era designado como o da região da verdade e belezas eternas. Foi nesta atmosfera que os gregos nos deixaram o seu legado, tão acima das nossas atuais percepções do que deve ser a vida em sociedade.

A EDUCAÇÃO
Examinando a raiz latina da palavra educação, verificamos visão de transferir conhecimento, fazer obedecer, fazer com que aprendam o que o professor sabe. A relação entre professor e aluno é unívoca, direcionada de cima para baixo.
Analisando as raízes gregas da palavra educação “διδασκω – didasko”,encontramos as expressões diálogo, contestação, contextualização, experimentação e revisão. Lendo os grandes clássicos gregos nos damos conta de como a contestação era valorizada.
Havia uma relação biunívoca entre mestre e aluno e a visão da experimentação levava ao enfrentamento da realidade, tal como ela era. Aqui entra uma fala sábia de Regina Migliori em congresso sobre educação: o melhor lugar para o conflito é a sala de aula. O grande legado dos professores é ensinar os alunos a exigir e lutar por princípios e fundamentos.
Deste passado nos vem a expressão “Talòs”, “estar com os deuses”. Era a preocupação dos mestres que seus alunos vivessem com os deuses. De “Talòs” nos vieram as expressões “talento” e “vocação”. Deste legado nos chegam acervos que nos surpreendem: a visão do legislador – educador, questão impensável no momento atual de nossa sociedade, a visão educação – honra, deixada nos textos de Homero, Platão e Aristóteles, a visão trabalho – honra deixada nos textos de Hesíodo, medicina – honra deixada por Hipócrates e a bravura guerreira expressa nos termos de astúcia – prudência.
Talento e vocação na relação trabalho – honra, mas também talento e vocação na relação homem – virtude – grupo – sociedade - equipe.
Tudo isso é passado, mas deixou marcas tão profundas que atravessaram milênios. Acho que sabemos a razão dessa perenidade.

A FORMAÇÃO DA SOCIEDADE
No caminhar em direção à visão moderna, em especial no Brasil, veio a dissolução e destruição das fundações da sociedade virtuosa. Veio então a debilidade, a falta de segurança e até a impossibilidade de qualquer  ação educativa.
De um momento histórico em que o centro das preocupações da sociedade era a educação, vivemos a nossa realidade do dia a dia,onde educação não é prioridade. Dita ser prioridade, na prática brasileira, educação nunca foi prioridade suficiente de nenhum governo.  Visão do político é a de que educar é perder votos e submissão.
Pior, nesse momento do Processo Mensalão, percebemos que a busca da construção do Homem Virtuoso pela educação nem é entendida como algo necessário e bom para qualquer sociedade.Nem é entendido que na construção do Homem Virtuoso, a educação representa todo o sentido do esforço humano. Deveria ser este o nosso grande legado para as gerações que nos sucedem.
Sociedades focadas na construção do poder, historicamente marginalizaram a educação, pois querem como cidadãos, carneiros obedientes. Esta condição sempre foi importante para os que buscam poder.
Uma das questões terríveis que encontramos aqui é a ideologia como fundamento da educação. É o que está acontecendo com o Brasil nesse momento. Com a ideologia presente, cessam as perguntas, vem somente as afirmações. Temos aqui a educação pela busca da obediência. No passado já foi utilizada a expressão: carne humana como bucha de canhão. É o que interessa aos que querem poder.
Sociedades focadas no sucesso econômico não se consolidam na ausência dos fundamentos da educação como foco estratégico. Sociedades focadas na educação, na gestão do conhecimento, criam os fundamentos estratégicos que lhes permitem aspirar ao sucesso econômico. Como no Brasil prevaleceu a busca do poder, não aprendemos ainda esta lição.
É registro histórico que o sucesso econômico dos países anglo-saxônicos se deveria ao fato de que a questão do lucro era algo bem vindo pelas igrejas reformistas, o que não acontece com as igrejas ligadas ao catolicismo.
Registros mais recentes nos indicam que uma das bases do sucesso econômico esteve no fato que a indução da leitura da Bíblia levou os crentes reformistas ao poder do conhecimento e sua disseminação. Aprender a ler com a Bíblia gerou o sucesso econômico, não somente a visão de que lucro é bom. Educação gerou então sucesso econômico.
SOCIEDADE DE RESULTADOS
Raramente conhecimento por si só gera resultados. Conhecimento estruturado e sistematizado pode gerar resultados. Como paliativo à falta do conhecimento, falta de recursos humanos válidos que possam atender às necessidades das empresas, aceleramos treinamentos de ordem técnica como questão necessária para a busca do sucesso econômico. O que se constata é que treinamentos de ordem técnica não são suficientes para estruturar e sistematizar conhecimento.
A pergunta que fazemos, recordando a expressão “Talòs”, é: Esses técnicos estarão com os deuses? Ou serão apenas arremedos dos homens virtuosos, os quais tanta falta fazem à nossa sociedade. Haverá realmente sucesso econômico? Os homens que comprarão os nossos produtos serão virtuosos ou apenas pequenos zumbis? Como a construção do homem virtuoso se propagará dentro de nossa sociedade?
Em vez de criarmos tecidos sociais convergentes que estruturam sociedades e sucesso econômico, estamos criando colchas de retalhos que não são convergentes e não estruturam sociedades. Voltando ao primeiro parágrafo, concluímos que não estamos construindo as bases para o futuro que queremos.
O que precisamos fazer em termos de educação o povo grego já fez. Não devemos ter vergonha de recriar a roda. Pena que estejamos perdendo tanto tempo. Acho que todos aqueles que lutam pela educação deveriam ler Paidéia. E mudar tudo!

Luiz Bersou

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