3 de novembro de 2009

Gestão, elites e interpretação de fenômenos


Já são muitos anos que dizemos que empresas não se administram por leitura de números e relatórios, mas por interpretação de fenômenos. Como sou constantemente questionado sobre o significado da expressão “fenômenos” e sua interpretação, vamos usar dois autores clássicos para esclarecer melhor a questão.

Theodore Levitt escreveu o famoso livro Marketing Myopia. Nele são descritos vários casos de como empresas não viram oportunidades que passavam diante do nariz. O caso mais famoso foi de como as ferrovias americanas não enxergaram as oportunidades nos mercados de transporte de pessoas e cargas por ônibus, caminhões e aviões. Aviões! O super meio de transporte! Como não enxergaram? Cruzavam com as ferrovias todo o território dos Estados Unidos! Tinham capital! Tudo na mão! Tive a oportunidade de discutir este caso quando estava em Boston. A resposta, dada por um viés cultural foi de que ferroviários eram ferroviários e não aeronautas. Era verdade.

Entretanto, se formos mais fundo na questão, vamos nos dar conta de que o modelo de análise que os ferroviários utilizavam para gerir suas ferrovias mostrava somente informações do desempenho das ferrovias. Não havia a preocupação com as demais informações que caracterizavam o negócio e conseqüentemente as suas possibilidades, alternativas e riscos. Ficavam lendo números e relatórios que falavam do próprio umbigo e não se davam conta de como o mundo se transformava fora das ferrovias. Não viam os Fenômenos! Apenas relatórios contábeis.

Benjamin Treggoe escreveu outro livro famoso. Estratégia da alta gerencia. Neste livro é introduzido o conceito de “Força Motriz”, fundamento de cultura e arquitetura de gestão pelo qual os dirigentes são levados a procurar sempre as mesmas soluções, não importa o problema. Ele descrevia cerca de 14 “Forças Motrizes”.

Um dos casos importantes estava ligado à indústria do aço. A cultura deste setor era de que a próxima usina a ser construída teria sempre que ser a maior de todas. Mundo do gigantismo, da economia de escala. Idem fabricante de celulose e papel. Observação atenta dos fenômenos de cenário levou os mais lúcidos à construção de toda uma família de pequenas usinas, flexíveis, capazes de oferecer o produto que o mercado queria a cada instante. Não foi pelos muitos relatórios de gestão que chegaram a esta conclusão. Interpretaram os fenômenos e os bons ganharam. Formaram uma nova elite de gestão no setor. O setor papel levou mais tempo para fazer a mesma análise.

Quando Benjamin Treggoe e Theodore Levitt descreveram os seus casos, vistos agora por uma ótica mais moderna, espanta a elevada frequencia com que as empresas criam mecanismos, relatórios e números que sugam o nosso intelecto, nos absorvem e aí não se enxerga o que teria que ser visto. Os 14 modelos de força motriz eram na verdade a expressão de 14 modelos de filtros pelos quais se enxergava somente o convencional e não o estratégico.

Empresas investiram em relatórios de análise para a produção e vendas. Investiram muito pouco em modelos de análise para os seus negócios. É outra coisa. Como não se investiu em modelos de análise para os negócios, se aceitou conviver com a bússola dos números que representam a produção das empresas, confundindo visão empresa, objetivo lucro, com visão negócio, objetivo oportunidades, alternativas, riscos e mais lucros. Decorre o expressivo número de empresas que se perderam por aí.

Saindo das referencias de Theodore Levitt e Benjamim Treggoe, vamos viajar pelo mundo das empresas em geral. Pegando por exemplo referencias da indústria têxtil na Bélgica, verificamos que o gestor do passado compensava a falta de dados com o desenvolvimento da sensibilidade e capacidade de leitura dos fenômenos que aconteciam no universo dele e de seus clientes. Empresa e clientes. Não só empresa. Entendiam os fenômenos que aconteciam com seus clientes.

Havia gestão dos fundamentos da produção e vendas, mas também do que acontecia com os clientes e mercado. Viajando pela história da economia da atual Alemanha e outros países, verificamos a mesma coisa. Fazer gestão era dominar o que acontecia fora da empresa. Dominar o que acontecia dentro da empresa era apenas obrigação – era mais fácil também.

Percebemos que os gestores daquela época trabalhavam com poucos números. Era o que eles tinham. Sabiam o que era essencial, pois quem decidia o que ter como referência eram os colaboradores da alta hierarquia. Estes poucos números eram o que chamamos hoje em dia de “Grandes Números”, números com significado estratégico.

Inventaram o computador e acreditaram que dominar todos os números e não apenas aqueles com significado estratégico era a saída natural para o aperfeiçoamento da gestão. Com a multiplicação dos números, os gestores foram saindo do universo dos Grandes Números e entraram de cabeça no universo dos Pequenos Números. Milhares de relatórios. Teria então mais capacidade de tomar decisões do que antes. Fazer a gestão com os pequenos números ficou complicado e caro. E inútil!

Neste caminho o gestor perdeu a capacidade de ler fenômenos e trabalhar com os grandes números. O computador que era para aumentar a inteligência das decisões, em número muito grande de casos, apenas contribuiu para diminuir a inteligência das decisões.

Decorre então a grande massa de diretores, gerentes e chefes de departamento que estão prejudicados em sua capacidade de tomar decisões. Não tomam decisões, empurram decisões. Estamos na prática diante da Teoria da Cegueira e Imobilismo como modelo de gestão de empresas, onde o que funciona é a gestão por torcida. Torcer para ver se dá certo.

Para agravar este “status quo”, temos questões importantes a acrescentar. Estamos vivendo um momento e m que o desconhecido chega cada vez mais depressa. As análises de inteligência competitiva nunca vão responder facilmente o que fazer em um mundo em que o desconhecido passa a ter mais importância do que o conhecido. Urge então simplificar a gestão para que o gestor possa enfrentar o desconhecido pessoalmente, olho no olho e não através de longas hierarquias. Precisamos da Gestão Estratégica Simplificada.

O que fazer? Voltar ao que já fez parte da história da economia dos países mais maduros, não mais avançados. Computadores no devido lugar, fora do altar, para se poder ter mais visão, olho no olho dos fenômenos que acontecem nos cenários. Gestão simples, modelos de análise realmente bem desenvolvidos, não aquilo que muitas vezes se quer adotar como sendo a grande solução de TI.

Visão de produtividade de empresa, mas acima de tudo visão de negócio. Números com significado estratégico, balanço equilibrado entre condução estratégica e condução operacional. O que interessa então? Enxergar fenômenos. Os grandes fenômenos que afetam a vida da empresa. Mais do que isso, fazer controle de gestão do futuro e não controle de gestão do passado como tantos fazem.

Aqui entrar o conceito da formação do “Ser Livre Pensante”, no qual se insiste há tantos anos. Capacitação das pessoas, de uma elite estratégica, para o máximo de capacidade analítica e interpretação de fenômenos. Formação de mais elites pensantes, que tanta falta está fazendo ao país. Precisamos de mais elites, mais meritocracia, e daqueles que estão preocupados com as leituras dos fenômenos. Vamos tentar interpretar fenômenos. Funciona!


Luiz Bersou